A história das polícias militarizadas no planeta Terra, com influência direta dos exércitos, remonta a contextos históricos de controle social e manutenção da ordem que distanciam o modelo policial de uma função genuína de proteção à sociedade.
Os fatos históricos que marcaram a militarização das polícias, especialmente no Brasil, explica porque esse modelo policial utiliza táticas militares, tratando como inimigos todos aqueles que se opõem ao Estado, o que implica um afastamento do papel democrático social da polícia.
Origens históricas das polícias militarizadas com influência do Exército
A gênese das polícias militarizadas encontra raízes no século XIX, com formatos inicialmente baseados no modelo de gendarmarias militares europeias, cuja função principal era a segurança interna sob forte supervisão militar.
No Brasil, a Polícia Militar teve sua fundação oficial em 1809 com a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia no Rio de Janeiro, inspirada em modelos militares portugueses e franceses. Durante a Primeira República, as polícias militares estaduais funcionavam como forças auxiliares do Exército, prioridade para o controle de revoltas e movimentos sociais que ameaçavam o regime vigente.
Exemplos famosos incluem a atuação das polícias estaduais em revoltas como a Revolução de 1924 e o conflito de Canudos, quando a força policial foi empregada para suprimir movimentos populares e rebeliões internas.
Com a chegada do Estado Novo (1937-1945), sob o governo autoritário de Getúlio Vargas, as polícias militares passaram a ser estruturas diretamente subordinadas ao Ministério do Exército, reforçando o caráter repressivo e militarizado, com a polícia sendo vista como uma força auxiliar das Forças Armadas para garantir a segurança interna.
Essa assinatura autoritária se consolidou no período da ditadura militar (1964-1985), quando as polícias militares exerceram papel central na repressão política, controle de dissidentes e manutenção da "ordem" sob a lógica da Doutrina de Segurança Nacional.
No contexto da repressão, órgãos como o DOI-CODI reuniam agentes policiais e militares sob um comando único, atuando com brutalidade contra quem era identificado como inimigo do regime.
Após a redemocratização, embora tenham havido tentativas de reformar essas instituições, o modelo da polícia militar permaneceu praticamente intacto, mantendo sua estrutura rígida, hierarquizada e com forte influência do Exército.
A Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), criada em 1967 e subordinada ao Exército, consolidou legalmente essa relação. Mesmo nas décadas recentes, o treinamento das polícias militares segue focado em técnicas militares com táticas de guerra, refletidas na doutrina, hierarquia e procedimentos operacionais.
Modelo que se distancia da proteção à sociedade
Ao adotar uma estrutura militar, a polícia se organiza com base em uma lógica de conflito e combate, em que a população — principalmente grupos sociais vulneráveis, periféricos e dissidentes — é vista como uma potencial ameaça ou inimigo.
Essa visão provém da origem das polícias militares como forças de prevenção e repressão aos chamados “inimigos internos”, conceito herdado da Doutrina de Segurança Nacional, na qual todo indivíduo ou grupo que se opõe ao Estado é tratado como um adversário a ser neutralizado.
Esse modelo de polícia enfatiza o uso da força letal, o controle rígido e a subordinação hierárquica, moldando agentes para atuarem como soldados em um campo de batalha, ao invés de mediadores e protetores dos direitos civis.
A preparação constante para a guerra e a confrontação se traduz em práticas policiais desproporcionais e violência excessiva, muitas vezes resultando em violações dos direitos humanos e exacerbando conflitos sociais. A polícia militarizada tem dificuldades em desenvolver uma cultura de mediação de conflitos, pois sua missão prioriza o enfrentamento e a manutenção da “ordem” por meio da força.
Além disso, a falta de mecanismos transparentes de controle e fiscalização impede que abusos sejam devidamente investigados e punidos, gerando um clima de impunidade e desconfiança da população civil em relação à instituição policial.
Este modelo reforça a desigualdade social, pois comunidades pobres, negras e periféricas são frequentemente tratadas como inimigas a serem controladas ou eliminadas.
A concepção do inimigo no modelo militarizado
Durante a ditadura militar, o inimigo era claramente identificado como subversivos e opositores políticos. Com a redemocratização, a definição do inimigo tornou-se vaga e abstrata, mas a abordagem repressiva permaneceu.
Hoje, em muitos casos, o inimigo identificado pela polícia militarizada é qualquer pessoa ou coletivo que represente uma ameaça à ordem estabelecida pelo Estado. Isso abrange manifestantes, moradores de áreas periféricas e grupos marginalizados, que passam a ser vistos não como cidadãos a serem protegidos, mas como adversários em um conflito permanente.
Essa lógica da guerra contra o inimigo interno é problematizada por estudiosos, agentes policiais e organizações de direitos humanos, pois transforma a segurança pública em um jogo de confronto bélico, e não no cuidado e proteção social.
A consequência dessa abordagem é um ciclo de violência que prejudica tanto a população quanto os próprios agentes policiais, que vivem sob constante tensão e risco.
A lógica das polícias militarizadas em outros países
Em outros países, o modelo de polícia militarizada também está presente, sobretudo em contextos onde a segurança interna é tratada com lógica de confronto militar.
Na América Latina, além do Brasil, países como México, Colômbia e Honduras possuem forças policiais organizadas com hierarquia e treinamento militares, frequentemente atuando em conjunto ou sob influência direta das Forças Armadas.
Nessas nações, a militarização da polícia está frequentemente associada a estratégias de combate ao crime organizado e insurgências, o que reforça a visão de que parte da população é um inimigo a ser enfrentado com força e táticas bélicas.
Em países da Ásia e África, a lógica policial serve a regimes autoritários ou em situação de conflito interno, onde a polícia atua como braço repressivo do Estado, com pouco espaço para mecanismos democráticos de controle civil.
Esse padrão reforça a separação entre segurança pública e proteção dos direitos civis, perpetuando ciclos de violência e desconfiança entre a população e as instituições policiais. Assim, a militarização da polícia em diferentes contextos internacionais revela um fenômeno global em que o aparato repressivo do Estado se sobrepõe à função democrática de garantir a segurança dos cidadãos.
Conclusão
O modelo das polícias militarizadas com influência do Exército tem raízes históricas em períodos autoritários e regimes ditatoriais, nos quais a polícia era vista como força de combate aos inimigos do Estado, e não como instituição para proteção e serviço à sociedade.
Este legado moldou instituições militarizadas que utilizam táticas e doutrinas militares, com hierarquias rígidas e foco na repressão.
Esse modelo se distancia da proposta moderna de segurança pública, que preza pelo respeito aos direitos humanos, mediação de conflitos e construção de confiança social.
Ao tratar amplos segmentos da população como inimigos, as polícias militarizadas perpetuam ciclos de violência, autoritarismo e exclusão social.
Reformular esse modelo implica repensar o papel das polícias, promovendo a desmilitarização, maior controle social, transparência e uma cultura de policiamento que priorize o bem-estar e a proteção dos cidadãos como indivíduos e comunidades, e não a perpetuação de um Estado de exceção disfarçado.
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