25 julho 2025

A sombra da letalidade policial no Brasil: um olhar sobre os dados do Anuário da Segurança Pública

A notícia da execução de Vinicius Gritzbach, delator em um esquema que ligava agentes do Estado ao crime organizado, em pleno Aeroporto de Guarulhos, chocou o país em 2024. O episódio, que expôs a intrincada rede de corrupção e cumplicidade envolvendo policiais, serviu de ponto de partida para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, ao aprofundar a análise sobre a letalidade policial e a urgente necessidade de controle das forças de segurança no Brasil.




Enquanto o Brasil celebra uma redução nas Mortes Violentas Intencionais (MVI) totais nos últimos anos, a letalidade provocada por agentes do Estado segue um caminho preocupante. Em 2024, as Mortes Decorrentes de Intervenção Policial, famosa MDIP representaram 14,1% do total de MVI, um percentual que, segundo o anuário, "está significativamente acima do parâmetro sugerido por estudos nacionais e internacionais". 

Esse dado, por si só, já lança um alerta sobre o uso desproporcional da força em um país que ainda busca consolidar os direitos humanos como pilar da segurança pública.


Análise detalhada

A análise aprofundada dos dados revela um cenário de contrastes regionais e persistentes desigualdades. Estados como Amapá, Bahia e Pará destacam-se com as maiores proporções de MDIP em relação às MVI, evidenciando padrões de letalidade que beiram ou superam a marca dos 20% do total de mortes violentas. Mais alarmante ainda é a guinada em estados como São Paulo, que registrou um aumento de 60,9% nas taxas de MDIP entre 2023 e 2024. 

Minas Gerais e Ceará também acompanharam essa tendência de crescimento, sinalizando que a letalidade policial é um fenômeno dinâmico e que não se restringe apenas às regiões historicamente mais violentas.

Por trás desses números, esconde-se um perfil de vítimas que grita por atenção e justiça. A letalidade policial no Brasil é esmagadoramente masculina, jovem e, acima de tudo, racializada. Homens representam 99,2% das vítimas, com uma concentração preocupante na faixa etária entre 18 e 24 anos. Contudo, é no recorte racial que a seletividade se torna mais gritante: 82% das vítimas de MDIP são pessoas negras. 

O estudo aponta que uma pessoa negra tem 3,5 vezes mais chances de ser morta por forças de segurança do que uma pessoa branca, revelando o peso do racismo estrutural na prática policial.


Onde está a violência?

A violência não se limita às fronteiras estaduais, ecoando também em nível municipal. Em 2024, 22% dos municípios brasileiros registraram ao menos um caso de letalidade policial. Cidades como Santo Antônio de Jesus (BA) e, de forma ainda mais impactante, Santos (SP) e São Vicente (SP) – estas últimas com mais de 66% das MVI sendo de autoria policial, muitas delas ligadas à controversa Operação Verão/Escudo – tornam-se palco de uma "micro-violência" que expõe a falha no controle das forças de segurança em níveis localizados .

As conclusões do anuário são claras e contundentes. A persistência da letalidade policial, sua seletividade e a evidente falta de controle sobre as ações das forças de segurança são desafios urgentes. A baixa adesão e, em alguns casos, a descontinuidade de programas como o uso de câmeras corporais, ilustram a resistência institucional a mecanismos que visam à transparência e à accountability. O anuário aponta que a letalidade policial não é um desvio isolado, mas sim um reflexo de uma cultura institucional que ainda tolera o uso excessivo da força e, em casos extremos, demonstra a cumplicidade com o crime organizado.

Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a verdadeira segurança pública exige mais do que a redução de índices gerais; demanda uma profunda revisão das práticas policiais, com foco na vida, na dignidade humana e no combate às raízes da seletividade e da corrupção. 

Apenas com um compromisso genuíno com o controle, a transparência e a responsabilização, o Brasil poderá construir um sistema de segurança pública que sirva a todos os cidadãos, sem distinção de raça, idade ou local de moradia, garantindo o respeito aos direitos humanos e a plena cidadania.






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Referências

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2025.

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