Durante participação no SDTV PODCAST, a Dra. Denise, advogada criminalista e psicóloga com atuação junto à Defensoria Pública, abordou uma dura realidade que tem se tornado cada vez mais comum no cenário da segurança pública brasileira: a banalização da vida humana e a crescente atuação de adolescentes em atos infracionais graves.
O que presenciamos hoje nas ruas e nos tribunais é o reflexo de uma sociedade em colapso. A vida humana perdeu valor. As pessoas deixaram de se enxergar como seres humanos e passaram a tratar umas às outras como objetos descartáveis. No cenário do adolescente infrator, o que vemos é a ausência quase total de limites. A paternidade e maternidade foram terceirizadas. Aos 13 anos, muitos já decidem onde vão, o que consomem, e com quem andam — inclusive drogas, bebidas e o crime. O resultado? Uma escalada natural rumo ao ato infracional, que começa com pequenos furtos e rapidamente evolui para roubos armados, e até homicídios.
Recentemente, atuei na defesa de um adolescente de 15 anos envolvido em um caso de homicídio qualificado. O ponto de partida foi o furto de uma moto, cometido por dois adolescentes. A motocicleta foi usada para novas práticas criminosas, o que culminou em dois homicídios. Grave, sim. Mas o mais assustador não foi apenas o crime em si, e sim a frieza com que tudo foi tratado pelos envolvidos, inclusive pelas famílias.
A família do jovem sequer tinha condições de contratar um advogado. Fui nomeada por meio do convênio da Defensoria Pública com a OAB para garantir a ele a defesa técnica obrigatória. É importante destacar: nenhum cidadão pode ser julgado sem defesa. Se não há defensor público disponível, entra em cena o advogado dativo, como foi o meu caso. E mesmo sendo menor, a conduta do jovem é classificada como ato infracional análogo ao crime de homicídio qualificado.
Durante o processo, chamou atenção a ausência de qualquer reação emocional do adolescente. Ao final da audiência, ele não demonstrou arrependimento pelas duas vidas que tirou. Sua única preocupação era saber se eu, como sua defensora, entraria com recurso. Isso mostra como esses jovens estão destemidos, não só diante da lei, mas também diante da própria noção de certo e errado. Enfrentam polícia, enfrentam a família — quando há alguma.
O problema é mais profundo. A geração atual vive sob o "tudo pode". Muitos pais perderam autoridade, vivem na lógica da compensação e não impõem limites. Quando o adolescente chega na Fundação Casa, passa por avaliação psicológica, pedagógica e social. É aí que se revela o histórico familiar: abandono, envolvimento com drogas, criminalidade, falta de escolaridade, e muitas vezes, criação feita por terceiros. A base já está comprometida antes mesmo do primeiro delito.
Dentro das instituições, há dois perfis de profissionais: os comprometidos e os do "Ctrl C + Ctrl V". Infelizmente, muitos relatórios acabam sendo rasos, tratando de forma padronizada casos que exigem atenção individualizada. Em 45 dias, deve-se julgar o caso e aplicar medida socioeducativa: seja internação ou liberdade assistida. Mas não basta punir o jovem — é preciso trabalhar a família também, pois, muitas vezes, o ciclo infracional é geracional.
A omissão do Estado também pesa. Quando o adolescente já dava sinais claros de abandono e negligência, ele deveria ter sido acolhido, protegido — e, em casos extremos, encaminhado à adoção. O ECA é claro: a criança e o adolescente devem ser responsabilizados e protegidos. O que vemos é a falência do Estado em cumprir seu papel preventivo. Quando isso não acontece, a tragédia é só uma questão de tempo.
Por fim, a maior dor: as vítimas fatais deixaram filhos. Vidas interrompidas de forma brutal. E os pais do adolescente infrator? Nem sequer se sensibilizaram com a tragédia. Não compareceram, não se responsabilizaram. O sistema, mais uma vez, falhou em cobrar responsabilidades daqueles que deveriam ter exercido o papel de educar e proteger. O resultado? Um ciclo que se repete, e uma sociedade cada vez mais refém da violência.
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